Quem não se lembra da aflição que sentiu ao ouvir contar que, “de repente, a menina se viu perdida na floresta”? A criança que escuta atentamente a história logo se sente e imagina também perdida naquela mesma floresta imensa e desconhecida.
Quem conta a história vê-se envolvido em todo este processo. Um adulto que goste de contar histórias não escapa ao seu próprio fascínio e descobre a cada momento, a cada pausa, o efeito que as suas palavras e a sua expressão provocam nele mesmo e na criança que ouve, de olhos maravilhados.
Hoje em dia sabemos como são fundamentais para o crescimento das crianças as histórias de fadas, esses enredos onde a realidade e a fantasia convergem para um ponto de encontro e de compreensão – talvez para a constatação de que o bom e o mau, o feio e o bonito e por viverem lado a lado, inevitavelmente.
Os contos de fadas garantem à criança que as dificuldades podem ser vencidas, as florestas atravessadas, os caminhos de espinhos desbravados e os perigos mudados. E a criança sente que também pode ser capaz de vencer os seus secretos medos.
Assim, aprende a aceitar melhor as pequeninas desilusões que vai encontrando no seu dia-a-dia, pois sabe que, à semelhança do que acontece nos contos, os seus esforços por se tornar melhor hão-de ter um dia a desejada recompensa. No seu íntimo, ela entende muito bem que as histórias maravilhosas são irreais – mas não as aceita como falsas, na medida em que descrevem, de um modo imaginário e simbólico, os passos do seu crescimento.
Sempre fui apaixonada por contos de fadas, gosto de conta-los para meus afilhados, mas outro dia me surpreendi ao encontrar uma redação que escrevi na 8ª série (nem faz tanto tempo, mas na época o 9º ano ainda era chamado de 8º série)
“Os contos de fadas são fantásticos, a princesa é sempre linda, leve e ingênua. A recompensa para suas qualidades é um príncipe lindo, corajoso e sensível, também pudera, ela é realmente especial, não menstrua, cólica e mal humor nem pensar.
Uma perder o sapato desvairadamente ao sair correndo do baile (á meia noite em ponto) onde conheceu seu príncipe, a carruagem da moça virou abóbora, mas pergunta se o salto dela quebrou.
Outra ficou presa em uma torre (nunca no trânsito), seus cabelos cresceram metros, mas pergunta se deixou de ir a uma festa porque o cabelo resolveu não a obedecer.
Agora irei falar da minha favorita, que contrária toda a natureza humana, uma jovem que troca de lugar com o pai e passa a viver aprisionada com uma fera, até ai nada de mais, pior seria passar noites chorando com medo de criaturas boas - pulemos essa parte. A Bela linda, leve e ingênua (claro!) consegue a proeza de transformar um ser com aparência de Fera em um príncipe lindo, corajoso, sensível com o poder de seus sentimentos. Está ordem está errada! O certo é o príncipe virar Fera, ogro, sapo...
Se eu tenho algum ressentimento? Tudo bem que sapos são animais de sangue frio, escorregadios, quer caracteristicas mais masculinas? Os ogros são desajeitados, brutos, com um ótimo coração, fala sério, a gente adora! E as feras são bravas, infantis e domáveis. Gosto desses porque admito que não sou nada fácil. Quer saber? Se estivesse aberta a temporada de caça seriam das feras e dos ogros que eu estaria atrás, se eu tivesse uma lagoa trataria bem os girininhos para que virassem bons sapos. Mas se não fosse pedir muito: Feras, vocês poderiam usar o raciocínio de vez em quando? Sapos, sei que o sangue é frio, mas se chorassem de vez em quando garanto que seriam embativeis. Ogros, se vocês fossem mais carinhosos a vida seria mais bela. Agora só me resta dar um recadinho aos príncipes, passem fora, desculpa, mas vocês além de ilusórios são chatos. E pedir para que não contem a ninguém que eu mênstruo, sinto cólica e não sou perfeita, porque isso espantaria ogro, fera, sapo e eu correria o risco de atrair um príncipe daqueles bem compreensivos.”
Hahaha. Revoltada, né!? Talvez tenha sido minha primeira desilusão amorosa.
segunda-feira, 5 de outubro de 2009
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Haha, curti sua perspectiva. O problema dos contos de fadas e da cultura do Happy Ending é que elas são ilusórias. Não diria ilusórias, de todo, mas idealizadas demais. O sapo virar príncipe obedece à uma ordem nada democrática ... Que os sapos sejam sapos, os ogros sejam ogros, as feras sejam feras ... e, ainda assim, possam encontrar suas princesas ...
ResponderExcluirAliás, parabéns pelo desfile técnico de 19/02. Te entrevistei pela PlusTv, ficou bem legal ! Até mais =)